…ao pó: o lamento de quem perdeu muito.

Cristiane Dantas
3 min readFeb 2, 2020

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Em 2017 eu tinha um apartamento alugado em meu nome. Tinha móveis, chaves, um altar para expressar minha religião. Eu ajudava pessoas (algo que faz parte do meu propósito) em meu trabalho voluntário. Eu tinha amigos por perto: meu pequeno cafofo nunca estava parado. Eu estava endividada, mas havia alguma comida em minha geladeira. Minha terapia estava ok. Minha idade ainda era um passaporte para ser universitária, sem maiores julgamentos.

Naquela época eu me questionava se eu era apenas um fantasma do que um dia eu fui: me referindo, obviamente, aos melhores dias da minha adolescência. Mas sempre havia uma viagem “a trabalho” ou uma pequena palestra pra ministrar que me tiravam na melancolia.

Em 2017 eu realizei o sonho de retornar ao lugar onde cresci e compartilhar conhecimento. Duas vezes. Uma delas na presença do reitor da universidade que era o “sonho de consumo” da maioria dos jovens norte mineiros.

Mas 2017 acabou. Há tempos…

Em 2020 eu não tenho onde morar: não sei onde ficar, e espero bestamente respostas de ao menos uma dúzia de processos seletivos, enquanto ocupo um colchão doado no quarto da minha irmã. Obviamente eu posso voltar para Ouro Preto, afinal não terminei minha graduação. Atestados médicos dizem que não foram incompetências ou burrice da minha parte. Eu não escolhi tentar me matar 3 vezes entre novembro de 2018 e setembro de 2019.

(Eu estou falando isso para que parem de me julgar ou para que eu mesma pare de me mutilar?)

Eu não ajudo mais ninguém. Eu até tentei, ano passado, mas não consegui fazer o mínimo. Não posso oferecer mais nada aos outros. Não tenho um teto, não tenho móveis. Possivelmente ainda tenho amigos, mas eles estão ocupados demais (o mundo não gira em torno do meu umbigo). Ou talvez eles se cansaram de ouvir que eu não poderia sair, sem explicar que eu estava escondida e chorando debaixo dos meus (antigos) cobertores.

Vida seca. Se antes eu pensava ser um fantasma do que eu já fui, hoje sou apenas pó. Com sorte, uma ossada dentro de um saco, em alguma gaveta de cemitério.

Eu sei que eu poderia simplesmente “sacudir a poeira”. Eu posso ser chamada a qualquer momento por uma dessas empresas, onde eu quero dar tudo de mim e me sentir viva e, principalmente, útil. Eu posso também colocar um anúncio procurando um quarto em Ouro Preto, para o último semestre do inferno que se chama “graduação”. Posso mandar algum áudio para um colega que vá escutar, dizendo “eu estou muito só, me ajude”. Eu posso implorar e me impor, para que meus parentes parem de me humilhar e me colocarem para baixo — seja por causa da minha religião, do meu status social ou porque querem apenas que eu “me vire”.

Eu até voltei a cantar! Com todos os meus dramas, inseguranças e etc. Isso é alguma luz no fim do túnel pra mim?

Eu, que sempre tive tanta força, tanta coragem, segundo os outros… Agora só preciso de ajuda, porque não consigo mais lutar sozinha.

E aceito um pouco de paz de espírito também, pra dar uma fortificada e conseguir me reerguer.

Eu não vou ser como era em 2017. Eu não quero.

Eu quero ser melhor. Quero levantar desse colchão no chão. Secar as lágrimas e ter oportunidades. Entender meu caminho. Não pensar novamente em como o mundo será melhor sem mim.

Não quero ser pó. Quero ser inteira novamente.

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Cristiane Dantas

Gosto de flores, gatos e filmes. E, de vez em quando, escrevo para botar a tristeza pra fora.