Eu tô de saco cheio!

Leia como se eu estivesse gritando e chorando muito, pois de certa forma eu estou.

Cristiane Dantas
5 min readMar 27, 2022
Hello father, hello mother
Forgive me for standing in your way
I just wanted someone
Who’d hold me and listen
Are these illusions, are they

Alguns pensamentos andam caminhando pela sombra do que trato na terapia. É assim: levo para a consulta X tópicos, mas durante o resto da semana outros Y assuntos ficam ali, presos no fundo do cérebro, ocasionalmente tomando minha face durante algum papo mais cabeça com alguma de minhas duas amigas presentes. Eles SEMPRE estão lá, mas não parece que tenho coisas mais urgentes pra tratar com a Emily: talvez por eu tratar eles como mimimi (seja porque os trataram como mimimi ou porque eu já sofro com eles há tanto tempo que não aguento mais falar sobre).

Minha religião (Wicca) nos pede para abraçarmos nossa sombra, pois isso é parte de nós — que infelizmente foi colocado como “mau” por conceitos sociais baseados em épocas e influências religiosa, mas que todo mundo sente e pensa. Nada a ver com o politicamente incorreto. É só o que a gente tem em nosso lado escuro. Como o arquétipo da Lua, por exemplo.

Vou colocar tudo em tópico, porque eu realmente tô de saco cheio de ruminar isso em silêncio. Como não tenho alguém para gritar, escrevo essas linhas na esperança de que só de jogar para essa rede imensurável eu esteja tirando das sombras um pouco de tanto peso:

  • EU TO DE SACO CHEIO de não ter família. Há um ano atrás eu falei em uma audiência judicial que eu me sentia apenas um número no contracheque. Um incômodo para àqueles que tinham planejado, enquanto casados, me colocar nessa merda de mundo e que depois passaram a ter suas próprias famílias. Eu tô magoada por não ter família, por não pertencer a nada. Por terem me negado esse direito, por me chamarem de coisas que eu não sei — apenas porque eu pedi ajuda.

E eu pedi muita ajuda. Pedi apoio psicológico, pedi afeto, pedi paciência… E pedi apoio financeiro também. E enquanto tudo foi negado com a fala “isso é bobagem”, a parte do dinheiro foi levada mais a sério: virou caso de justiça. E agora eu sou um ser absurdamente cruel e desprezível por ter me defendido e reagido. Pisar em alguém é bom, mas que o pisado não ouse reagir, certo? Ninguém me perguntou a minha versão: Aceitaram a versão daquele que, aos meus 10 anos, mandou eu engolir o choro e avisou que tinha outra vida. Me condicionaram ao meu lugar de persona non grata, me enfiaram em uma maldita caixinha com o rótulo “indesejável, má, louca”. E foda-se.

Bem. Eu queria ser como certas pessoas que eu conheço que não trabalham e vivem sustentadas pelos pais, usando o dinheiro dos velhos para comprar quilos de drogas e bancar viagens e restaurantes caros, não trabalham e não fazem nada, absolutamente NADA. Queria ser a vagabunda que pregam que eu sou, pra poder ao menos dormir em uma cama que me pertence.

(Um fun fact: a cama física que eu durmo foi uma doação de uma parente da minha meia irmã…)

  • EU TÔ DE SACO CHEIO de amizades que não estão dispostas a escutar, e que falam “o lugar pra você desabafar é na terapia, lá vai ter alguém melhor pra te orientar”. Terapia não é desabafo! Se eu não posso contar com as pessoas que dizem ser amigas, que dizem ser família… Com quem eu posso contar? (Vide SACO CHEIO #1)

Eu gostaria de um pouco de honestidade aqui: “Nós não nos importamos com seu mimimi” ou “você só quer falar, e só tem coisa ruim pra falar”.

Inclusive eu considerei essa última opção — a de que eu só falo coisa ruim, e comecei a compartilhar APENAS as coisas boas, as pequenas vitórias. Geralmente sou deixada no vácuo e não recebo o mesmo tratamento efusivo das outras vitórias. Deve ser porque o meu é pequeno demais. Ou porque eu sou problema demais… Não sei, e acho que nunca saberei porque ninguém ali quer dizer. Que tipo de amizade só suporta o outro? É por pena?

  • EU TÔ DE S-A-C-O C-H-E-I-O de sempre, SEMPRE estar quebrada. Estar sem grana. Sem grana pra comer, pra comprar água, pra tomar um refrigerante com os 3 amigos presenciais que eu tenho (infelizmente não consigo me abrir tão bem com o terceiro quanto com as outras duas). Estou cansada de ter 29 anos e viver em condições de sobrevivência. De ter que dar um jeito pra tudo. Eu trabalho pra um caralho!

Mesmo na época que eu tinha segurança financeira (estabelecida por lei e assegurada em um processo judicial de 1994 — e não por bondade de genitores) eu SEMPRE estive fazendo um corre para ter dinheiro para fazer algo que me desse prazer, restringindo pensão alimentícia para fins de sobrevivência.

Eu tive esse privilégio (mesmo sendo apenas uma obrigação, um número no contracheque — sem QUALQUER afeto ou cuidado), e usei ele para estudar, para pagar tratamentos de saúde, para ajudar outras pessoas — mesmo que com pouco (como forma de agradecimento por ter privilégio) e meu advogado diz que se eu quisesse usar esse dinheiro de pensão alimentícia pra lazer, isso também era válido. Mas eu nunca quis. Eu sempre me senti um peso.

Passei 9 meses trabalhando com QUALQUER COISA que me permitisse ter dinheiro, de garçonete a telemarketing, e só agora eu trabalho em uma das minhas áreas profissionais de fato. E mesmo assim eu mal consigo comprar uma garrafa de óleo para minha casa. E não há família, lembram? E o que me deixa mais de saco cheio nessa situação toda é ter que pedir algo pra alguém. Pedir mais do que o aceitável. E ver as pessoas acharem que eu gosto disso. PELOS DEUSES, EU ODEIO TER QUE PEDIR ALGO. Eu choro quase sempre que preciso pedir.

Eu me sinto um zero. Eu tenho 29 anos e não consigo me sustentar. “Mas Krica, ninguém consegue. Eu por exemplo recebo ajuda de meus pais/moro com eles!”. Vide SACO CHEIO #1.

Minha mãe não tem condições NENHUMA de ajudar ninguém: na verdade é bem o inverso. Nem eu e nem minha irmã moramos com ela por um motivo. Existe algo muito mais escuro do que todas as sombras que estou vomitando aqui, e que impedem que eu possa contar com ela. Logo: não, não tenho família pra me ajudar, estou sozinha no mundão e me torturo todos os dias pelas pessoas que já me ajudaram financeiramente e eu ainda não as ressarci. E me sinto o maior fracasso do mundo, mas acho que já deu para entender isso…

E é isso, tá pronto o sorvetinho. Uma das coisas que eu decidi depois de um PUTA TRAUMA em 2021 é que vou me anular para todos: evitar derramar sangue com meu gênio explosivo. Mas como uma pessoa explosiva que fui durante tantos anos, a bomba está dentro de mim e está prestes a explodir.

Eu só peço a noite, antes de dormir, que o saco cheio não exploda e que eu não tente acabar comigo mesma quando isso acontecer. Fez um ano da última vez que eu cansei de ser um fardo para os outros e tentei por fim a eu mesma. Aparentemente é mimimi e eu tenho que levar isso para a psicóloga, então não posso falar isso para as amigas 1 e 2. Quiçá as que falam que são amigas.

Se não for pra estar comigo, façam como os parentes: virem as costas na cara dura, neguem falar sobre isso, neguem até falar/responder. Mas deixem claro. Porque eu estou DE SACO CHEIO de estar tão sozinha e com tantas coisas nesse enorme saco que já está transbordando.

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Cristiane Dantas

Gosto de flores, gatos e filmes. E, de vez em quando, escrevo para botar a tristeza pra fora.