Meu último texto sobre o MEJ

Cristiane Dantas
4 min readSep 21, 2020

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No quiet life for me…

A ficha que você se tornou um ser obsoleto para certos fins demora a cair. Porque sim, no fim das contas você se torna apenas uma peça deslocada no tabuleiro, como em uma partida de “dama”, onde o eminente perdedor faz o mesmo movimento com sua última peça dupla, em zigue-zague, até aceitar ser devorado pelo oponente. Um belo dia você é essa última peça a ruir no jogo.

A ficha caiu para mim no dia 08 de junho de 2020. Para quem lê meus textos (ou me conhece pessoalmente) já pode perceber que eu sou muito boa com datas. Me apego a elas, sabendo desde o dia do aniversário do meu gato até o dia que fui aprovada no vestibular de arquitetura. Aniversários (e signos), inícios e fins de ciclos. Uma sequência de números que circulam meu castelo de memórias.

Enfim. A tal ficha caiu em formato de print de uma conversa de aplicativo, onde uma pessoa que não me conhece pessoalmente colocava sua opinião de como eu era uma pessoa que atrapalhava; que era um absurdo a forma como eu me portava e que, ela, como guardiã da associação a qual se referiam minhas críticas, deveria se posicionar.

(uma frase de palavrões deletada)

Sou extremamente humana, intensa e verdadeira. Pago o preço mais caro possível pelo pacote, com a garantia de ter por perto apenas aqueles que aguentam o gosto da pimenta Carolina “Krica” Reaper. São poucos, mas são àqueles que eu enterraria um cadáver por eles sem perguntar os motivos. E no print um deles estava lá, apaziguando a mocinha e falando que iria “me dar o toque”.

Se a pessoa tivesse me dado o toque tudo bem. Já aceitei a forma que essas organizações que eu estive metida por anos agem: “somos inconformados e transparentes… desde que seja dentro da nossa bolha privilegiada”. Já estive na bolha, apesar de ser uma estranha no ninho. Já gastei minha voz puxando hino, viajando mais de 1000km em uma van com motorista dormindo na estrada. Já fui solicitada a apagar um comentário porque eu discordava da adesão de um mantenedor no mínimo duvidoso. Eu sei como funciona.

Mas ele não me deu o toque. Me enviou o print, e o tom da conversa foi como um “olha o que estão falando de você”, ao invés de “eu falei que iria falar com você”. Ali eu percebi que tinha perdido um confidente. Ou que talvez eu nunca tenha tido.

Pouco tempo depois vi um storie no Instagram de uma das pouquíssimas pessoas que ainda sigo que fazem parte desse movimento estudantil e, pensando ter liberdade para falar sobre como era errado cobrar que jovens em meio de uma pandemia ficassem desesperados com uma obrigação, uma meta, e como isso poderia fazer mal para a saúde mental dessas pessoas, lá foi eu mandar um “então…”. Fui cortada de primeira. Educadamente, mas sumariamente cortada. Prometi nunca mais abordar essa colega com qualquer assunto sobre o trabalho que ela desenvolve para não perder o contato.

Desde 8 de junho eu ensaio escrever algo longo e verdadeiro sobre tudo o que vivi nos últimos anos. Mas o máximo que consegui foi montar uma playlist (como se fosse um musical da minha desventura) e soltar alguma piada ácida aqui e ali.

E eu odeio isso. Eu odeio explodir em pequenas doses, guardando um ressentimento gigantesco dentro de mim. Eu não me perdoo pelos meus erros — que foram incontáveis — mas também ainda espero um pedido de desculpas pela forma que fui tratada. Me ameaçaram falando que “seria ruim para minha carreira, pois muitas pessoas estavam vendo o vídeo” quando eu estava tomando uma tequila e amargando a recusa em um processo seletivo dentro desta mesma rede, onde eu disse “veja o que vocês perderam”. Eu odeio oferecer para dar qualquer conteúdo totalmente de graça, para descobrir que “não querem você em nenhum evento regional”. Eu odeio ser ignorada pelas pessoas que falavam que eu era forte. Eu odeio ter destruído, com minha dose fatal de Carolina Reaper, a relação que eu tinha com as pessoas do meu time.

Eu me odeio e não me perdoo pelos meus erros enquanto membro deste movimento. Mas eu odeio muito mais o quadro que pintaram sobre mim dentro dele. O completo “cancelamento”. Isso depois de terem acabado com a única das instâncias onde eu fui a maior parte do tempo feliz e completa.

“Somos inspirados pela nossa história”, desde que ela dê cheques gordos como mantenedor dessa instituição, porque se não sua opinião simplesmente não interessa.

Eu sacrifiquei cada pedacinho da minha saúde mental nisso. Eu estou completamente despedaçada, implorando para ter uma vida nova e poder esquecer o que eu fiz e passei. O que eu passo na verdade, mesmo tendo o mínimo contato com todo esse universo que foi meu refúgio por 6 anos.

“Mas você merece uma vida nova! Esquece isso!”
Como esquecer, se não há uma vida nova pra mim? Ao ver todos os meus amigos em bons lugares e empregos, enquanto eu gasto a saúde física (já que a mental foi pro saco) me arrastando aos gritos imaginários dos meus parentes: “VERGONHA!”?

Eu fui mais uma pessoa machucada por esse movimento estudantil. Mais uma pessoa que comprou uma briga que já estava com o vencedor definido. E esse é o meu último movimento em tabuleiro a respeito disso: meu último texto sobre esse período que, com alguma fé, “será perdido no tempo, como lágrimas em chuva”.

Com toda a certeza de que eu amei certo as pessoas (e causas) erradas…
Krica.

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Cristiane Dantas

Gosto de flores, gatos e filmes. E, de vez em quando, escrevo para botar a tristeza pra fora.