O dia que desisti de cantar

Cristiane Dantas
4 min readAug 31, 2019

--

Bota essa música pra ler, por favor.

Começava assim: Na segunda-feira eu escutava uma musica viciante. Baixinho, cantarolava as notas mais agudas, ou os pontos críticos (regiões de passagens, algum ponto onde exigia mais técnica, ou que eu gostaria de modificar alguma coisa da linha vocal original). Passava a semana tomando coragem pra gravar: expor aquela vontade de mostrar ao mundo que eu conseguia ter algum talento. Que não era apenas a pós-júnior fracassada, ou a estudante de arquitetura que ninguém quer fazer trabalho pelo índice histórico de surtos e reprovações (Fonte para tais afirmações: vozes em minha cabeça).

No sábado (geralmente) a coragem vinha. Botava o meu gato pra fora do quarto, fechava todas as janelas e portas possíveis do pequeno apartamento onde vivo. Quanto menos incomodar, melhor! E então eu gravava.

Várias vezes.

Todas um defeito diferente.

Mas todas as vezes eu falava: “Você pensou nisso a semana inteira, você tenta acabar com sua insegurança há tantos anos! Insiste!”. É a mesma voz que faz eu não largar o osso de uma pá de coisas, como expliquei para um amigo querido essa semana.

A menos ruim eu jogava no meu Instagram. As vezes, muito ousada, copiava pro Facebook. Antes, já avisava: “Momento de passar vergonha da semana!”. Algumas pessoas acham que eu estava brincando, mas ali era o alívio cômico que eu sempre recorro pra falar uma verdade sobre o que eu estou sentindo sem deixar parecer que eu estou praticamente em prantos por dentro.

É, colega. Insegurança é f*da. Seu cérebro não funciona como deveria, seu coração começa a bater em uma frequência muito esquisita. Seus olhos enchem de água e você nem sabe o porquê, mas tem absoluta certeza que quer desaparecer. Que está horrível. Que as poucas pessoas (mais íntimas, geralmente) que comentam ou interagem de qualquer forma só estão fazendo isso por piedade. Que estão rindo de você.

“Você é ruim, está passando vergonha e é uma desonra para a humanidade.”

(Já escutei de alguém por quem tenho ainda muito apreço que não passo de uma vitimista. De outro, que sou tóxica. Discordo da primeira (eu sou culpada, e não vítima!), concordo com a segunda.)

No último ciclo de amar uma musica \ treinar ela mentalmente pra não perturbar os vizinhos \ trancar a casa com o Django pra fora do quarto \ grava \ postar \ chorar e querer morrer eu cansei.

(Não que eu não estivesse cansada antes, mas é que dessa vez acho que teve um tic na minha cabeça. Ele ocorre quando eu largo algo de vez.)

Cansei há menos de 15 dias. Foi na noite de 18 de agosto, na verdade. Joguei minhas partituras fora. Tirei da barra de favoritos o violão que planejava comprar em 12x. Avisei aos melhores amigos, e principalmente à minha irmã de musica, alma e cachaça, que reclamou muito. Fiquei em choque que minha mãe disse que sentia falta de me ouvir cantar, porque ela nunca tinha falado isso. Bebi minha cerveja enquanto meu amigo músico disse que eu tinha muito conteúdo técnico e que ele não concordava com isso.

E bem… ainda estou muito cansada de todo o processo mental de me punir. E também estou triste por abrir mão de algo que eu quis fazer — e faço — desde que eu tinha… 6 anos? Dói pensar nisso.

Dói pensar também que meu famoso Sonho Grande era ganhar um Grammy. E que eu já falei isso em voz alta, e que eu estou escrevendo isso agora! É vergonhoso!

É depressão, ansiedade, problemas graves de autoestima, feedbacks perturbadores. É o peso de ocupar o que atualmente eu ocupo (estudante, desempregada, solitária). Ia sobrar pra algum lado, e infelizmente sobrou para o lado que representou minha essência por toda a minha vida até agora.

A única pessoa que teve coragem de falar comigo que não era o momento de eu pensar nisso, e que eu deveria focar em formar e arranjar um emprego foi — pasmem — minha psicóloga. Cada dia mais sensata, essa mulher. Mas foram as palavras que me fizeram chorar mais nesses últimos quase-quinze-dias.

Enxuguei as lágrimas, passei em frente à uma madeireira que tinha pallets. Fui saber quanto era, se entregavam. Mentalmente imaginei como seria legal ter um sofá. Não fui pra aula, à noite: fiquei em casa jogando Angry Birds 2.

A gente supera a dor, porque ela não dura pra sempre. A gente supera a falta, enfiando outras coisas no lugar (no meu caso, 3 disciplinas de projeto arquitetônico, um curso de Excel, visitas constantes ao site do Nubank na área de “trabalhe conosco”, e a espera de um telefonema que nunca chega do lugar onde eu realmente quero trabalhar).

Talvez eu um dia volte. Não sei. Talvez quando eu tiver controlado melhor minha vontade de “querer biscoito”*, junto com todos os meus probleminhas psicológicos.

(Esse texto foi pensando há 1 semana, usando o processo semelhante da tortura que era cantar para o público virtual)

*Querer biscoito seria algo semelhante a querer chamar a atenção.

--

--

Cristiane Dantas

Gosto de flores, gatos e filmes. E, de vez em quando, escrevo para botar a tristeza pra fora.